
Ele acordou antes dela. Abriu os olhos e a viu de bruços, coberta até o pescoço e virada para o outro lado da cama. Aos poucos foi lembrando da noite e da sequência de fatos que o levou até ali. E sorriu.
- Oi, tudo bem?
- Tudo?
- Esperando alguém?
Ele estava, mas pelo visto ia levar um bolo. Então resolveu arriscar: - Não. E você?
- Meu namorado, mas ele acabou de ligar dizendo que não vai poder vir.
- Quer sentar?
- Obrigada. Que livro é esse que você estava lendo? É bom?
- É ótimo.
- O final é feliz ou triste?
Antes que ele pudesse responder, ela completa:
- Eu só gosto de estória com final feliz.
E foi assim que a noite deles começou. E que noite. E que mulher…
Resolveu levantar e pegar um copo de água. E andando pelo apartamento, reparou que ela não tinha nenhum livro. Ela tinha estantes, mas não tinha livros. Ela tinha mesas e móveis, mas ele não viu nenhum livro. Como pode alguém não ter livros? Como pode alguém não ler?
Voltou para o quarto e começou a se vestir. Queria ir embora antes que ela acordasse, pois eles provalvelmente não eram compatíveis. Ele era um leitor aficcionado. Lia tudo, ou quase tudo. Quando não tinha grana para comprar novos, relia os seus preferidos, mas não podia deixar de ler. E ela não tinha nenhum livro, nem unzinho de receitas da Ofélia para contar estória…
Antes de ir embora deu uma última olhada para ela e viu suas curvas debaixo da coberta. Ela era tão linda. E eles se deram tão bem. E então resolveu apostar. Aquelas curvas mereciam a aposta.
Voltou e deixou o livro em cima da mesinha de cabeceira, no lado onde ela dormia. Em cima do livro, deixou um bilhete: “O final é feliz”. E na útlima página do livro escreveu: “Quero passar o resto da vida com você. Me liga. 555-5555” . E foi embora.
Ela acordou e não o viu. Mas viu o livro do lado da cama e imaginou que ele o havia esquecido. E também sorriu, lendo o bilhete. Ela não só tinha o livro, guardado em algum lugar da casa dos seus pais junto com centenas de outros que ela possuia (nunca trouxe na mudança quando resolveu morar sozinha num apartamento tão pequeno), mas já tinha o lido mais de uma vez. Mas quando viu aquele carinha com cara de intelectual na mesa do bar, tinha que pensar em um jeito de puxar papo. E o livro pareceu uma boa idéia.
Ela levantou, tomou um banho, preparou um café e sentou na varanda para ler, ou melhor reler, o livro. Como dizia o Nelson Rodrigues: “Deve-se ler pouco e reler muito. Há uns poucos livros totais, três ou quatro, que nos salvam ou que nos perdem. É preciso relê-los, sempre e sempre, com obtusa pertinácia”.